EÇA DE QUEIROZ
SÊ O APÓSTOLO QUE EU TENTO SER
SÊ O APÓSTOLO QUE EU TENTO SER
Não pelo orgulho de ser uma cidade-porto, porque isso parece em si, insosso, e minhas pretensões vão mais além que efêmeras, passageiras aparências.
Mas, essa cidade querida, que acolheu-me, em duras tempestades de melancolia, ensina-nos o poder da metamorfose em nós, indivíduos e coletivos, e sobranceira, até mesmo orgulhosa, revelado no seu primaveril movimento. Alardeia, com burburinho suave, que é imponderável e obrigatório te renovar, e aproveitar-te, mesmo de tuas mazelas, por uma reconstrução contínua, evolutiva, na busca obcecada da virtude.
A quem, por tristeza desfortunada, não a conhece, recomendo vê-la, o mais rápido que puder!
Caminhes pela avenida do canal, subas nas pontes, admires os jardins, refestela-te nos bancos, tomes de sua água refrescante, olhes para o seu céu diferente, turquesa. Não te prestes a observar por muito, com juízo de valor, as novas e belas construções, os grandes e atuais magazines, os novos e modernos automóveis, porque essas são espécimens adoptadas, pela força de atracção, à partir da transformação verdadeira. Fixa-te na ria e canais que cortam toda a cidade, e que vai se dissolver no mar, ao dia, já que nas madrugadas acolhe em seu leito o oceano marezênico, brutal amante, profilático, desinfetante, com suas espumas de gozo e êxtase.
Subas até a capela da Misericórdia, e desfiles, com precisão de grumete, teu olhar pela paisagem, entremeada na arquitetura miscelaneada, com aquele ensejo por descobrir tesoiros, imaginar, em laivos, o surgir de fantasmas, anjos e dragões. Eles estão a postos.
Respires, em fundo, a brisa fresca, que, por vezes, vem engalanada com o aroma edulcicado da dama-da-noite, ou da petúnia, deitada tardia no orvalho, já com sol alevantado.
Abras, devagarinho, a emperrada portinhola do coração, se em ti o tens amargurado, para que ali entre também a mística e a graça dos afetos, porque isso traz revolução de angústias, e pode até buscar o amor perdido. Nem sempre às pessoas, mas ao menos o sentimento. E este é mais belo e mais fiel que as pessoas... ainda que hajam controvérsias.
Não te fixes nos pensamentos de saudade, pois isso faz perder o presente, e o que importa é o deambular caleidoscópico de imagens e luzes, faiscantes e convidativas, ao serem paridas nas águas, águas limpas do canal, da ria.
Não esboces críticas às caricaturas de gôndolas, mercenárias e grosseiras, porque ainda andam apinhadas de sorrisos felizes. Poderiam ser mais. Mais belas, mais apinhadas, mais felizes, menos caras. Sutil e discretamente, apenas de soslaio, observe, diferente de mim.
Com elegância, apenas sugiras, para que, em breve, a fustigada Veneza possa ser chamada a "Aveiro da Itália".
Edifiques, na tela do sonho, o mercado da praça, que será (tão logo inicie meu período de alcaide) ponto de frutas e verduras, alimentos naturais, orgânicos, das hortas e granjas faceiras e fartas, da vizinhança familial, com diversidade e cores, accessível à toda gente, pobre ou rica, sobremodo à primeira. Aliás, depois de virar praça, busto, estátua, farol e rotonda, creio-me habilitado ao farnel. Eu e Estevão.
Algum dia, -e já se vão mais de três séculos-, esse canal purgava apodrecido, infecto e malcheiroso, já que a jugular que ligava o corpo ao coração estava interrompida, necrosada pela emocional instabilidade da suja areia da corrupção. Foco de doenças, espelho de incúria, natural revolta contra a tirania. Até que do santificado convento veio a princesa Joaninha, com sua varinha de condão, para expulsar o demoníaco topônimo invasor, e recompor a origem. Foi ela, por milagre, com certeza, e ninguém mais! Não importam as datas, pois as efemérides puras não estão nas calendas, mas na vida real, do espírito. E a ria com seus canais, voltou a viver, lúcida, limpa, liberta, linda! O que estava esgoto virou fonte pura. Vicejando por sua formosura, atraiu os galantes e aleitoados novos investidores de antanho.
Importa-te com a metamorfose dessa ria e de seus canais. É possível fazer isso em nós mesmos, não obstante o tempo (humana e crítica invenção) fazer pensar não poder. Eu tenho empenhado hercúleo trabalho para ser Aveiro, expulsando os tiranos de mim, recompondo-me em original pureza, reconstituindo o afago de avó, cujo forno palaciano era o meu céu...céu de fogo e brasa, que ainda arde em meu interior, na angélica covardia do aroma da broa, dos ovos moles e do pão pardo.
Estou a buscar um patamar melhor. Quero que meus sentidos possam ser pouso de pensamentos e acções, saudáveis e felizes, como hoje o são as tainhas que percorrem lépidas a ria e os canais de Aveiro.
Quando, por felicidade, fores a Aveiro, revista-te com o teu melhor sorriso, tires dos cabides do coração os melhores desejos e sentimentos, e abra-te para uma vida civilizada, caridosa e amiga. Isso pode contagiar a alguns, na minha infante-cidade, que ainda não fazem assim. Certamente tua atitude os fará aprender. Muitos já o fazem.
São menos os que dilataram as goelas e os bolsos, a estreitar o coração e o cérebro, mas... ainda os há.
E estejas alerta, pois o cumprimento carinhoso, a saudação amistosa, bem como a irreverência ou mau-trato, podem estar a ser feitos (sem que percebas) aos agêneres que ali habitam e transitam, em todos os cantos, pareados a mim. E sorrirei pra ti, mas só em Aveiro.
JOSÉ MARIA DE EÇA DE QUEIROZ - espírito
Mensagem recebida em psicofonia,
pelo canal Arael Magnus em Coimbra, Portugal
a 2 de maio de 2018
pelo canal Arael Magnus em Coimbra, Portugal
a 2 de maio de 2018