segunda-feira, 6 de julho de 2009

O MENINO SEM CORAÇÃO


     
         A dor, conquanto sua missão regeneradora, permitindo a cada um o seu próprio burilamento e evolução, ainda nos assusta.   

        Enganam-se aqueles que pensam que nós, desencarnados, estamos isentos da indignação e do horror, quando presenciamos ou participamos de lastimáveis situações.

         Variando de ser para ser, o sofrimento do próximo, a maldade, o atraso, nos afetam tanto ou mais do que quando estávamos na carne.

        Aqui, no meu singelo posto de resgate e restauração, exercendo funções auxiliares de apoio e encaminhamento, me deparo muitas vezes com quadros que muito me emocionam e sensibilizam. Nossa compreensão, limitada e empobrecida devido à pequena estatura espiritual, se vê em muitas ocasiões, estremecida por quadros que só conceberíamos em nossa imaginação, quando invadidos pelo pavor.

        Naquela tarde, como era habitual, as caravanas dos que chegavam da crosta traziam centenas de seres, desencarnados em diversas partes do planeta. Foi quando ouvi a voz de Irmã Débora, devotada obreira da região a que pertenço, chamando-me, insistentemente. Saindo de meu ambiente, agora mais tranquilo do que há pouco, pude ver a nobre religiosa, em seu hábito cinza, com aqueles olhos negros em destaque, acompanhada de um menino, um rapagote, franzino, esquelético mesmo, que mantinha a cabeça baixa, em humildade cativante.

       “Padre” - disse ela- “este é Thimoty”, - e estendendo-me a mão completou - “É para que o senhor o encaminhe, por favor.”.

        Observando mais de perto aquele espírito tristonho, pude ver em seus traços o sofrimento espelhado em cada ponto. Os pés esparramados, ainda grosseiros, as pernas muito finas, com os joelhos salientes. No ventre algumas marcas, como as de um chicote, e o tórax, prensado, como que espremido pela angústia. O pescoço delgado sustentava uma cabeça pequena, ovalada. Mas o detalhe mais chocante em sua figura era um enorme buraco aberto no peito. Ali, com as vértebras perispirituais ainda à mostra, notava-se que dele haviam tirado o coração.

         Atribulada como sempre, Irmã Débora já se despedia, enquanto eu, segurando a mão do jovem, com energia e ternura, o conduzi para o pequeno salão, ambiente onde procedíamos a triagem.

         Ele não parecia estranhar a situação, o que não é comum nestas paragens, onde muitos chegam sem a mínima noção de que não mais possuem o provisório invólucro carnal. Sua indiferença, submissão e placidez, de certo modo me deixaram confuso.

        - Como você está, meu filho... Está bem?
        Olhando-me de frente pela primeira vez, com voz tímida, quase sumida, indagou:- O senhor fala o inglês, da Libéria?

         Achei interessante a pergunta pela ingenuidade, e expliquei:- Olha, aqui nós falamos uma língua que todos entendem... a do pensamento...e aí está incluída a da Libéria... Você veio de lá?

       - Sim, sou de lá- respondeu Thimoty - já se acomodando num dos bancos em torno da mesa.
       - Pois bem, - continuei- agora você sabe que estamos em uma outra dimensão, que você não possui mais o antigo corpo de carne, e que seu espírito seguirá para um posto de reestruturação, de apoio. Nós vamos ter que recompor as coisas, como o seu coração, por exemplo...
        - Mas eu ainda não posso ter meu coração... Ainda não... - suspirou resignadamente.

      A afirmação resoluta me surpreendeu. Geralmente os que aqui chegam de alguma forma mutilados, se alegram quando da possibilidade de se lhes restaurar o que perderam.

      - Mas, por que você não pode ter o coração de volta, filho?
      - Ainda não ganhamos a guerra, senhor... Quando fizeram o ritual prometeram dar-me o coração de volta, quando ganharmos a guerra.

      Contou-me o jovem, que em sua tribo, na Costa Africana, numa aldeia próxima à Monróvia, capital liberiana, é comum esse tipo de sacrifício, arrancando-se com facas o coração de crianças, e depois, repartido em pedaços, serem comidos estes por guerreiros e chefes das facções insurretas. 

      Soube estar na erraticidade desde fins de 1993. Recusara-se algumas vezes a seguir com os batedores do resgate, por acreditar que assistiria à vitória. Narrou os horrores porque passam seus parentes, ainda hoje, naquela região africana, feita nação a partir da reunião de escravos fugidos ou banidos das Américas, desde os meados do século XIX.            
      Custei a acreditar que aquilo estava realmente acontecendo, nos dias de hoje. Falou da fome, da extrema pobreza, miséria absoluta, de guerras fratricidas, de extrema crueldade de todos os lados. Contou da tristeza por não ver futuro para seus parentes. E acentuou a impiedosa indiferença, do silêncio e omissão, de toda uma sociedade, em torno e dentro do país.

       Isso está acontecendo agora, no momento em que leem essa carta, sem que grande parte do mundo saiba, e os que sabem, muito pouco fazem para impedir que ainda existam, a perambular no espaço, espíritos como o de Thimoty, o menino sem coração.              
       Que isso caia na consciência das pessoas de bem. como alerta sobre o quanto ainda é preciso ser feito, o quanto ainda precisamos evoluir para que se possa merecer o emblema de Raça Humana.


Padre Aldo- espírito-

(Mensagem recebida em 28 de Junho de 2009 no Celest- Centro Espírita Luz na Estrada- Sabará MG, pelo médium Arael Magnus. fundoamor@gmail.com
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O MARTÍRIO DO APÓSTOLO


Estava, naquela madrugada, à beira do Tiberíades.
Na costa do Kinneret, o som das ondas é melodioso como o nascido da harpa, já o disseram há milênios.
Aquelas margens, pisadas um dia pelos pés do Bom Pastor, comportam o referido mar, formado pelas águas do Jordão, que nos arremete a outras emocionantes paisagens e fatos. Há oito décadas havia estado ali, e sabia, por intuição, que ele esperava por mim. Deslizei os olhos pelo Lago de Genesaré, com suas povoações periféricas, algumas usadas por Jesus como exemplo de incredulidade e insubordinação. Fiquei acomodado numa rocha e notei alguém vindo em minha direção.

Ergui-me, -por reverência e susto- pois confirmava-se pela alegria interior, que eu desejei esse encontro. Programara-o. O hálito suave da madrugada fazia balançar a argêntea túnica do que chegava. Reconheci aquele marcante perfil, mesmo à distância.

Com um aceno de mão, forte e paternal, sugeriu que eu me assentasse. Em sua nobreza serena, postou-se a meu lado, numa marmórea base. Margeei seus traços fortes, envolvidos por tênue espectro azulado. A emanação do luar restante tornava em prata os cabelos soltos, acrescendo pequenas estrelas nas barbas de meu anfitrião:
-Então?- disse-me ele com terna entonação - O confessor nada pergunta?- provocou.

Percebendo meu descontrole e surpresa, continuou:
-Recebi o recado. Até mesmo o aguardava, e quero dizer que me sinto à vontade para responder às indagações, todas elas... - e fitando-me com profundos olhos azuis, assinalou seu carinho - Faz-me bem esse nosso reencontro...

Extasiava-me a presença daquele interlocutor singular, e a cálida aceitação de minha chegada, convertia a suposta experiência que imaginava ter, em transparente emoção.

Durante as existências das quais me lembro -e não são poucas-, meus conceitos sempre oscilaram, indo de um lado a outro, como embalado pelas correntes do pensamento, ou ondas da moda. Variei, como bêbado vulgar, no pêndulo das vertentes da fé e do ceticismo. Fui fanático e ateu; absorvi com avidez tanto da crença cega, quanto do “niilismo” e sua muralha de afirmativas. Fui grosseiramente incrédulo, tanto quanto ingenuamente místico. Tudo se desmoronou pela força da lógica imposta em meu destino pelo caminho do Divino Galileu, clareado no Paráclito kardeciano. Mas, desde quando me foi permitido recordar, sempre tive um conceito imutável sobre esse que agora revisito, como sendo o símbolo da felonia, da perfídia, da traição. Descubro mais uma vez, como é frágil e incorreto o julgamento humano, porque basta estar aqui para reconhecer a fascinante força, na extraordinária estatura de um verdadeiro apóstolo.

Ao meu lado, cegando-me pelo brilho de sua personalidade magnética, naquelas paragens sagradas da terra das águas, cujas fontes espirituais saciam há tempo, a sequiosa curiosidade humana, Judas, filho de Simão de Ish Kärioth, um dos doze de Jesus. O único dentre os convocados pelo Mestre, que não era galileu.

-Obrigado... Obrigado pela gentil recepção... - exortei como um principiante, desconcertado e confuso.

Envolvido por agradável carisma e recompondo um pouco da ofuscada lucidez, notei que no encontro do céu com o mar de Tiberíades, já rasgavam a cortina, alguns raios do sol que não tardaria.

- Caro apóstolo - perguntei com amparada segurança - sendo aquele ato, o da entrega do Mestre aos sacerdotes, uma incumbência determinada pelo próprio Divino Amigo, aceitando-a, e cumprindo o que foi definido, por que a auto-imolação na figueira?

Antes de qualquer resposta, num relance, recriei o quadro de 2000 anos antes, no horto cenarial. A tomada dos soldados em busca do líder Nazareno, alvoroço, correria, o ósculo codificado, a explosão de alguns, a serenidade imperturbável de Jesus. Na tela mental diviso, encostado num toco ressequido, Judas Iscariotas. Desespero, angústia, quase terror, são refletidos em sua expressão. Ali a razão e o instinto se digladiavam. Estava paralisado, atrofiado como o próprio resto de cedro em que se apoiava. Minha divagação foi cortada pelo que me recebia. Com voz firme, desembargada pela entonação segura, redarguiu, prestamente:

-A situação exigia que eu fosse forte no pulsar da razão, mas me sucumbi no ilógico estertor da emoção...

Embaralhados estavam meus conceitos naquele momento. Separei a reflexão em um lugar especial no escaninho de buscas futuras. O filho de Simão Ish Karioth, agora com o olhar voltado para o monte que estava à frente, buscando o flagrante daquela época, prosseguiu:

-Eu estive com o Senhor também na noite anterior, no Jardim das Oliveiras. Sofri muito com sua angústia... o sangue a gotejar da Santa Face em sua alva túnica....

-O fenômeno da hematidrose!...- exclamei pra mim mesmo, como a me escorar no corrimão da escada que levava ao mais alto, no entendimento.

- Eu não tive ali, piedade do Mestre, meu irmão... todos nós, todos, estávamos preparados para aquele desenrolar. Sabíamos o que viria. Os escolhidos tinham ciência do que era mister acontecer. Fomos, durante séculos, os que superaram os óbices, as mais acerbas provações, assimilando ensinamentos, preparando o caminho. O Sagrado Fruto de Deus estava maduro. O azeite revelador da eternidade e da santificação do espírito haveria de ser retirado, ainda que sob a mó da incompreensão e intolerância.

- Getsêmani... a prensa do olival...- aduzi mentalmente a mim mesmo, buscando definições etimológicas. Mas ele continuou:

-Naquele grupo e em torno dele, estavam sacerdotes de amplo discernir, magos alquimistas, sábios de remotas eras, profetas de inúmeras civilizações, figuras exponenciais do conhecimento, os maiores no saber e sentir, e mártires, todos mártires....

-Mártires?- interferi de modo meio infantil.

-Sim- prosseguiu- invariavelmente o fomos, alguns mais de uma dezena de vezes... ainda era o filtro, o depurador e ao mesmo tempo, o sinal da diferença, o estigma divino ...Moldou-nos o tempo no cinzel da dor para aquele momento. Mas um turbilhão de dúvidas trouxe-me o medo. Ouvi-me como Jeremias, a vaticinar o despencar do corpo do traidor, despedaçado no abismo da iniquidade...

- Mas- tentei amenizar- ali, até o próprio Mestre teve instante de vacilação quando roga ao Pai que dEle retirasse o cálice...

E meneando a cabeça, se interpôs -.... Nem de longe ouse comparar a minúscula gota que me era reservada... Eu precisava resistir... - objetou.

Não era indispensável atenção acurada para notar que nas últimas palavras, desciam reservas de pranto em dolorosa revisão. Emoldurei com meu silêncio aquele instante. Notei o antes plácido lago a se encrespar, anunciando na voz do vento, que a tempestade não tardaria.

-Não entendi, porém, - interferi, assumindo a pinça questionadora do entrevistador - a razão de tantos sofrimentos posteriores, como a queima na fogueira da virgem de Domremy, do escárnio e humilhações pelos inquisidores...

Antes que eu completasse, a voz suave, porém austera do apóstolo a quem Jesus mais confiava, cortou meus argumentos:

-Nenhum sofrimento é imposto a ninguém, a não ser por si próprio, por escolha e atitude ...- e patenteando sua segurança, recompôs-se, fazendo brilhar ainda mais o olhar que refletia agora tênue luz, completou sereno- “Eu precisava quitar meu débito...assumi uma grande dívida...resgatei-a...”

- Dívida.... pela traição?- emendei

- Não... filho...o quadro estava programado, e a palavra havia de ser cumprida. Naquela semana veio a mim uma aterradora visão e a relatei ao Mestre. Nela percorri nos olhos, os páramos celestiais, a morada do Excelso. Identifiquei também os discípulos me açoitando, apedrejando-me, destruindo-me aos poucos. O Mestre Sublime mo a confirmou e depois de breve censura sobre minha aflição, contou-me alguns segredos, confortou-me, e prevenindo-me disse--”Tu estarás acima de todos eles. Pois aceitaste ser o cutelo do sacrifício ao homem que veste o Filho de Deus”. Mas em mim estava inoculado o veneno do medo.

E com galharda postura, arrematou:
- Meu erro, o maior de todos, prática gravíssima, acarretando todos os débitos que gastei um milênio e meio para saldar, inaceitável sob condições mínimas de consciência, principalmente de quem conhecia sua extensão, foi o suicídio!

A chuva, neste momento, caiu, misturando-me as idéias. No chão, numa tábua lavrada, as palavras: Peuaggelion Nioudas. Estupefato, vi-me com a sotaina escarlate de Bispo Irineu de Lyon. Senti-me abraçado, e em seguida, um facho de luz, numa sincronia de raio, cortou os céus, abrindo-o. Ao fundo um cortejo angelical conduzia às alturas um valoroso guerreiro do Amor, vitorioso, com Jesus.

- Humberto de Campos - espírito-

(Mensagem recebida no Celest- Centro Espírita Luz na Estrada- Sabará -MG- pelo médium Arael Magnus em 17 de Maio de 2009.) fundoamor@gmail.com

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ORAÇÃO DA ALMA QUE SE ILUMINOU


Maravilhoso, Senhor,
Eu não tinha as mãos, mas ainda assim, estendia aos que choravam, o lenitivo da oração.

Maravilhoso, Senhor, ainda que os pés me faltassem, com as pernas inúteis, imóveis, podia caminhar no pensamento e conduzir muitos ao entendimento de Tua senda de elevação.

Maravilhoso, Senhor, ter vivido na treva dos olhos, na escravidão da cegueira física, e ainda assim enxergar a liberdade de tua luz, que se espraia na trilha da evolução de meu espírito.

Maravilhoso, Senhor, ainda que a surdez me privasse de ouvir o trinar dos pássaros, o burburinho feliz das crianças, poder vibrar no frêmito de teus hinos celestiais, bálsamos de meus tormentos.

Maravilhoso Senhor, ter alimentado a esperança-certeza de usufruir teu estuário de amor e paz, ainda que o açoite das dores de um corpo doente tentasse roubar-me a serenidade.

Maravilhoso, Senhor, ver que a fraqueza da matéria, na forja incessante do sofrimento, se torna a redentora eficiente na condução do espírito à perfeição sublime, mais purificado e sábio.

Ainda sinto, Jesus amado, que em mim havia desperdícios, como minha língua, que te louvava, mas sofria incessante tentação à blasfêmia e intolerância.

Obrigado, Mestre Querido, por permitir que eu entendesse e perdoasse os irmãozinhos que ainda não se livraram das deformações do espírito, e identificavam minha louvação como imposição de demente masoquismo. Ainda não haviam descoberto que tudo somos, de perfeito, se estamos no teu Rebanho, meu Bom Pastor.

Alberto Costa

(Página mediúnica recebida em sessão pública por Arael Magnus
no GEMFJ em 29 abril de 1990- Betim- MG)


*Alberto Costa nasceu em Queluz de Minas em 16 de Novembro de 1910. Filho de imigrantes portugueses desencarnou em 1971, Aos 9 anos de idade detectou-se em seu organismo o bacilo de Hansen. Sucessivamente internado em regime de isolamento em Ubá, Mário Campos e no Sanatório de Sabará, todos em Minas Gerais, onde veio a se desprender.

Aos poucos a doença lhe tomou a visão, a audição, perdendo os pés, as mãos e parte do braço direito. Aos 47 anos foi acometido de tuberculose pulmonar e no final, já alquebrado, de displasias múltiplas, Espírita convicto e segundo ele, intuitivo, foi duramente discriminado por onde esteve, por seus próprios companheiros, que não entendiam e nem aceitavam sua resignação paciente, diante de tantos reveses.

FUNDOAMOR - Fundação Operatta de Amparo e Orientação - Sabará MG- fundoamor@gmail.com

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PRESENÇA DE MÃE


PRESENÇA DE MÃE

     Naquela noite, o culto no belo templo prometia ser bem proveitoso. Os lugares, quase todos ocupados, formavam um mosaico colorido. O coral afinado cantava um hino alegre, louvando o Criador.

    O pastor, sem saber porquê, experimentava viva emoção. -” Sinto o Espírito Santo em mim”- dizia ele aos seus auxiliares, a revelar eufórica emulação. Ele não via, mas, como em todos os cultos e reuniões religiosos, ali estavam também irmãos desencarnados.
         Eram muitos, talvez centenas, que nivelados com aquele teor de pregação, vinham promover a necessária comunhão com Deus, na observância da raiz do religare.

          No meio destes, apreensiva, ansiosa, uma senhora magrinha, demonstrando pela postura, simplicidade, e na expressão, sofrimento. Havia partido do mundo carnal há quase dez anos, após longa e dolorosa enfermidade, o que enfrentou sozinha, num asilo vicentino, onde caridade sobrava, mas recursos escasseavam, para um tratamento adequado.
         
          Criara três filhos, duas moças e um rapaz, com o heroísmo e bravura que qualifica tantas mulheres do sertão miserável, cujos maridos, indo em busca de melhor sorte, quase sempre não retornam. As meninas cedo se casaram, partindo para plagas distantes. O rapaz, inteligente, ambicioso e despachado, logo que se viu homem, rumou para São Paulo, com as bênçãos e "rezas" da mãe.

          O tempo passou, as notícias se escassearam, até que um dia, sozinha em seu casebre, recebe uma carta, informando ele, o filho,  que se “convertera” e que iria se dedicar à igreja. Nunca mais voltou, nem escreveu. Ficaram a saudade, as rezas, o solitário e interminável esperar.
         
           Agora, recomposta em sua singeleza, conseguira no lar espiritual de tratamento, para onde fora conduzida após o desenlace, a permissão de visitar o querido filho, cuja saudade partia o coração, fazendo doer, de quentes, as lágrimas que lhe rolavam pela face esmaecida, enrugada.
         
           Quanta emoção invadia seu ser, naquele instante! Como lhe corava a honra daquela ocasião, orgulhosa e feliz, ao ver o seu menino, agora homem feito, dirigindo um culto, com tanta gente importante, num lugar tão bonito. Não se continha, e dizia a todos os companheiros desencarnados que estavam a seu redor, que aquele pastor, era seu filho. -”É ele,.. meu menino...” -dizia sem parar.

           Era aquela a recompensa por tantos anos de distância, angústia e solidão.                           Exultante, absorvia com indizível prazer, o sabor da vitória que tão poucas vezes lhe oferecera a vida, anotando na tela dos sentimentos, cada passo, cada gesto de seu filho, tão bem vestido, tão destacado... autoridade. -“Que Deus te abençoe!”- repetia, feliz.

           O coro cessou o louvor. Fez-se um breve silêncio, e o pastor, em febril entusiasmo, iniciou uma emocionada e fervorosa oração. Que belas palavras, que sabedoria, que força! Toda a platéia, numerosa, percebeu uma vibração especial naquela noite. Ali, a língua do Pentecostes baixara de vez, fazendo jorrar o verbo que produzia estremecimento em todos os corações presentes.
           
           Ela, ansiosa e feliz, se aproximou o quanto pode do púlpito. Chegava a sentir a respiração de seu tão amado "menino". Relembrou o velho casebre, com ele assentado no chão a brincar com o cavalinho de palma... a comidinha pobre, mas gostosa... e como comia...na cidade pobre, da pobre Paraíba.

           Extasiada, sabia porém, que não era vista, mas gostaria de sê-la. Queria se manifestar de alguma maneira, revelar a sua presença, e abraçar, com muito amor, àquele por quem tanto orara e que agora lhe propiciava essa imensa alegria.

           Na parte principal do culto, após mais um belo hino em louvor aos Céus, o dirigente anuncia, suado, confiante:- “Irmãos...neste momento, em nome de Jesus, vamos para a corrente de libertação! Todos os que estiverem com suas vidas sendo atravancadas pelos encostos, pelas maldições, pelas pragas, ficarão agora, neste instante poderoso, em nome de Jesus, livres desses males!”... e orava.
         
           A igreja, uníssona, entoou um hino forte, e uma leva de espíritos com expressões ruins, porém mirrados, foi introduzida no salão. Seguros por sentinelas vigorosos, tentavam se desvencilhar, mas eram facilmente contidos.

           Algumas mulheres na platéia febril, excitadas por dominação incontrolável, transbordante, eram tomadas por aquelas sofridas entidades, e rolando no chão, proferiam palavras desconexas. Ao sinal poderoso e determinado do pastor, se rendiam, prostrando-se, para o delírio da vitoriosa igreja!

           A mãe, envolvida e impressionada, experimentava intimamente o pleno gozo das maravilhas celestes! Queria falar com o filho! Sem que nada a pudesse conter, decidiu, destemidamente, se incorporar em uma jovem, que na fila da frente se posicionava de modo a receber algum espírito.
          Não podia esperar mais, pois já se prenunciava o fim dos trabalhos.
          Devido à pouca habilidade das duas, -incorporada e receptora-, não havia sincronismo. A voz rouca, na verdade, se assemelhava a feios grunhidos, urros. Mas, ela viu assim mesmo o pastor se aproximar. Com o dedo em riste, e com o olhar esfogueado, ele bradou:- ” Em nome de Jesus, afasta-te desse corpo, satanás! Sai daqui diabo...volta agora para o inferno, capeta!”- vociferou..

         A médium, tomada por força desconhecida, contorcia-se, ameaçando avançar.
        Em verdade, era apenas uma mãe querendo abraçar ao tão saudoso e distante filho.
        Com mais retumbância e fé, o pastor reforçou a ordem;-” Sai daqui, capeta! Afasta-te dessa irmã, satanás...em nome de Jesus, vá para as profundezas...”-
         Imediatamente, um brutamontes sentinela se aproxima. Com violência arranca a já chorosa mulher, daquele corpo tomado de empréstimo por instantes.
        Vendo a jovem se desfalecer, rendida, dominada, a igreja se prorrompe em aplausos, júbilo, aleluias!

         O pastor, ajeitando o colarinho, com a Bíblia ao alto, bradava a vitória, em nome do Senhor! Oh... Glória!- proclamava....

        Algumas estrelas pontilhavam de luz o ebânico manto celeste, sem luar, mas com um brilho próprio do tempo que sucede à chuva.   
        Eufórica, a caravana de visitantes espirituais retornava às regiões de tratamento, em intenso comentário sobre o culto, sobre a valentia e poder do intimorato pastor.
      A senhora, simples, marcada pelo acicate de grande amargura, subia também. Um vento frio cortava os céus, em rajadas, prenunciando a proximidade do inverno. Num coração de mãe, lágrimas pungentes aqueciam, mais uma vez, uma infinita esperança.



_______________________________Pelo espírito de Edith Cruz Felice -



________________Página recebida pelo médium Arael Magnus, no Celest- Centro Espírita Luz na Estrada, em 14 de Dezembro de 2008. Fundoamor- Fundação Operatta de Amparo e Orientação- Sabará MG- fundoamor@gmail.com

A LÁGRIMA DE CHICO


______Descia, absorto, as escadas da escola, sem conseguir me aliviar do abalo que me causara aquela conversa com Rubens, meu amigo . -”Não era possível”- vagueava comigo- “as pessoas não mudam; passam os tempos, vêem os exemplos e os mesmos erros, com as mesmas cores, são repetidos...até quando...meu Deus!”.Contara-me o bom Romanelli, que vinha de uma visita ao Alto, onde fora se reportar ao nosso meigo Chico Xavier, sobre o andamento de alguns trabalhos encetados na esfera próxima ao planeta, relacionados com educação pré-encarnatória. E o ilustrado professor mineiro, espírito brilhante, com fulgor conquistado em renhidas encarnações, esmerilhado no esforço e agruras de passagens na Terra, estava nebuloso, abafado, visivelmente tomado por melancólica emoção.
______-Meu irmão e amigo-- dizia-me ele- O Chico está triste. Muito triste. Nunca o vira assim, tão lancinado pela angústia, mesmo quando enfrentamos o negro episódio de 58, em Pedro Leopoldo! Acho que nem mesmo quando o José, seu irmão, voltara ao reino dos espíritos, vi tanta tristeza naquele semblante... terrível...
______-”É professor”- tentei amenizar- “as notícias da crosta não são animadoras. Maldade, intolerância, guerras, miséria, incompreensão....deve ser por causa disso. O Chico sempre foi muito sensível”- aduzi.
______- Não é isso, meu irmão. Com a luz que possui e os conhecimentos que sempre transmitiu, ele sabe muito bem que no processo de reestruturação dos que encarnam na terra, com algumas exceções, -dentre as quais ele se destaca-, o atraso moral, as deficiências, os aleijões espirituais sobressaem, e não é de causar surpresa a quem conhece os caminhos da evolução, esses quadros, que mostram o alcance da estupidez, do mal.
______Percebi o professor Rubens contrito, circunspecto, como aquele que, tateante, procura caminho, saída, solução. E prosseguiu:
______-O Chico está sofrendo por ingratidão, dor profunda, segundo ele, causada por atitudes de gente nossa, de gente espírita. Isso o deixa inconsolável, amigo, pois são exatamente aqueles com quem compartilhou a senda por 14 longos lustros.... 70 anos... são estes a causa agora dessa profunda amargura...
______-Mas caro Rubens, -objetei- nosso Chico experimentou isso por centenas de vezes. Nós somos testemunhas vivenciais de muitos desses flagrantes descaminhos, traições, decepções e malgrados de toda ordem. Ele sofreu isso, sempre com serenidade, no entendimento fraterno da ignorância de quem praticava o erro...
______- Meu caro irmão- interrompeu Romanelli- desta vez é pior...muito pior...-
______-Pior?- exclamei, questionando, surpreso com a superlativa entonação de meu experimentado e notável interlocutor.
______-Sim... trouxeram-lhe notícias da programação para a monumental celebração do centenário dele...
______-Mas...isso, professor, sob a ótica comum, é mais que justo. Diria até necessário, é um preito de reconhecimento... É o mínimo...
______-Claro...claro...mas não da forma como estão querendo fazer....e é exatamente a forma, a maneira, o que está produzindo sofrimento em nosso “Anjo Amor”. Imagine que estão elaborando gigantescas festividades. E há brigas, disputas, questões comerciais e de marketing, grandes somas de dinheiro envolvidas. Briga de foice. Um grupo quer erigir um hiper complexo em Pedro Leopoldo, com grandes pavilhões, construção de museus, departamentos, fontes luminosas, cristalinas passarelas de acrílico com a mais alta tecnologia em luzes, laser e neon...(e suspirando...) tudo isso com dinheiro da venda de livros, doações e dinheiro público, do governo. E cobrando ingresso, claro...
______-É... parece que estou entendendo...mas é em 2010, não é?-dissimulei.
______-Sim...mas grandiosos e potentes esforços já estão sendo envidados para o que o Chico chamou de “O Circo do Chico”. Só que neste aí diz ele se sentir um palhaço, sem graça...
______-Chiii...aliás, no dicionário xavier significa sem graça...-tentei aliviar a tensão, sem muito êxito.
______E Rubens Romanelli retomou:-Saiba, meu irmão, que programam também para Uberaba outro estardalhaço de igual ou maior envergadura. Além dos monumentos, dos bustos, dos museus, das praças e avenidas, haverá shows, congressos, festivais, lançamentos...festa, muita festa...
______- De livros?
______-Sim, também...tem editora que está preparando obras especiais, com capa e letras douradas... melhor que o outro “Parnaso” exótico, que fizeram....caríssimo... preço exorbitante, inacessível à maioria... Mera especulação comercial. Estão também projetando o leilão de páginas psicografadas....vão sobrar chicos e fuxicos...
______-É...estou entendendo, professor. Acho que essa dor que ele sente é semelhante à do Dr. Bezerra de Menezes quando inauguraram a luxuosa sede em Brasília... com vidros fumês, e alabastros de fino material. Dinheiro de livro, dinheiro da caridade...Na época, ouvi-o reclamando com o Bittencourt, que estavam fazendo dele, a “Bezerra de Ouro”, num chiste.
______-Pois é, meu irmão. Também Brasília deverá participar, com congressos mundiais, de gente de todo o planeta, mais festas, museus, banquetes, grandes caravanas, buffets e griffes, patrocínios mil... Lançamentos de obras sobre a vida, biografias, e tome mensagens louvaminheiras, compreende?
______-Compreendo, professor -assenti- mais ou menos posso entender a dor do Chico. Ele, sempre avesso a estas manifestações, sempre longe dessa idolatria, e mais, sempre próximo da gente humilde, sofredora, sempre consolando...
______-Isso, irmão- concordou, continuando, mais exaltado- de gente simples, humilde, sofredora. Essa gente pobre que hoje praticamente nem pode mais entrar na maioria dos centros, cheios de guardas e sistemas de segurança, alguns luxuosos, que trazem a caridade na fachada, só. Outro dia estivemos fazendo um levantamento e descobrimos que nas favelas, nos aglomerados, nos lugares bem pobres, quase não existem mais os centro-espíritas!.- E depois de longo hausto, prosseguiu:-Me lembro com saudades dos bons tempos, quando ia com o Virgílio, Peralva, e outros, para estruturar o “Divino Amigo”, na Vila dos Marmiteiros, ou do Santos, lá no Morro do Querozene, com a “Casa da Betinha”, do Pedro Ziviani e do Badi, lá no Bom Jesus. Hoje mudou tudo, irmão...não é mais assim...
______-Concordo plenamente, professor. Tenho participado de reuniões e ouvido reclamações dos obreiros que agem na Terra, que sistematicamente se referem à elitização da prática da doutrina. A começar pelo preço dos livros. Absurdo! Feiras que dão desconto de 40 por cento! Ou estavam lucrando demais antes ou estão empurrando os encalhados...pífio mercadejar!
______-Sim... muitos se escondem atrás da necessidade da divulgação da doutrina para negócios no mínimo estranhos, pior, sem escrúpulos. Das quase quinhentas obras do Chico, todas foram doadas, sem quaisquer ônus, para que as editoras e fundações pudessem disseminar a palavra dos mensageiros. Mas, infelizmente, alguns fizeram um balcão voraz onde a ganância, a cupidez, crescentemente se acentuam, dominam...
______-Mas voltando ao Chico, professor, o que fazer pra ajudá-lo a sair desta?
______-Olha, meu caro, não está fácil. A turma é indócil e não vai largar o filão altamente lucrativo, que hoje financia construções faraônicas, banca viagens e caravanas de doutrinação e visitas ao exterior, com humildade nas palestras e ostentação nas estadias penta-estelares. Em Belo Horizonte, próximo à favela que o bom João Nunes Maia ajudava, estão construindo uma enorme e moderna edificação, da “Casa de Chico”. Milhões e milhões, vindos da venda exorbitante das obras doadas. Um palácio arquitetônico. Um deboche à doutrina do Consolador! E claro, literalmente de costas para o povo que sofre....
______-É... professor... é uma situação realmente assustadora. É uma demonstração de indiferença diante de uma realidade terrena cruel. Não se vê mais investimentos em campanhas contra o aborto, a eutanásia, a pena de morte, o suicídio, e aos poucos as forças do atraso vão se apoderando. Até as reuniões estão escassas. Tudo está virando livraria. Mas- contemporizei- este é o mundo...
______-Sim...caro amigo, este é o mundo. Mas a utilização do nome, do conceito e da vida do Chico para esses expedientes é que é doloroso, sobretudo para ele. Se quisessem realmente homenageá-lo, deveriam estar empenhados em minorar o sofrimento dos desvalidos, em ajudar na construção de lares com dignidade, na feitura de casinhas. Talvez até de hospitais, beneficentes, ou de estímulos às campanhas, bucólicas mas importantes, como a dos enxovaizinhos, de apoio às gestantes...aí sim, ele se abriria em sorrisos... ah! se o dinheiro que vão torrar com as homenagens e estratégias de bajulação fosse aplicado nos orfanatos, numa escola profissionalizante...no amparo às pessoas da rua... (suspira...)
______-...O senhor sabe, prof. Rubens, -adverti- que reagirão com veemência, os que estão a preparar as bodas...e nos acusarão de demagogos, etc e tal...com a assertiva repisada do “...pobres...sempre os tereis...”...
______-Claro, nobre irmão...claro que sabemos disso. Forças das trevas fornecem argumentações bem elaboradas... revestidas de lantejoulas e brilhos, para consagrar seus nédios feitos. Quantos foram à fogueira, aos martírios, sob o guante de exponenciais explicações e justificativas ditas cristãs ?! Mas ai desses que pensam enganar o mundo...ai desses que traem os próprios conceitos e consciências. Ai desses que fazem a dita “caridade de fachada”, criando “obras” para dourar pílulas! Ai desses que fazem cair essa lágrima de Chico... Muito será pedido a quem muito for dado... e a Doutrina de Jesus, sobretudo a Espírita, é a que mais ampliou nosso patrimônio de saber da eternidade...daí...-concluiu.
______Não pude deixar de perceber uma nesga de sofrimento nas palavras daquele espírito já tão elevado. Despedi-me, bem emocionado, respeitando aquele momento que poderia chamar de ira santa. -Talvez ainda haja tempo de evitar o mal maior- consolei-o, saindo.
______Enquanto no horizonte a treva vencia a luz, anunciando o império da noite, matutei, tentando vislumbrar para mim mesmo, explicações e caminhos, na esperada aurora. Acudiu-me a lembrança da última vez que estive com o luminoso Chico, quando ele, feliz, comunicava estar aprendendo o idioma iorubano. Dizia o Apóstolo, que se preparava para a tarefa de estimular a evolução da mediunidade, entre o pessoal das crenças afro-descendentes, na língua deles. -”Eles tem a pureza no coração”-dissera. Acho que agora entendo melhor o porquê.

__________________Humberto de Campos - Espírito -

______Mensagem recebida pelo médium Arael Magnus em 8 de Janeiro de 2009 no Celest- Centro Espírita Luz na Estrada- Fundoamor- Fundação Operatta de Amparo e Orientação- Estrada Velha de Nova Lima 1275- Castanheiras- Sabará -


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