A lágrima de Chico
pelo espírito de Humberto de Campos
Mensagem recebida pelo canal Arael Magnus, em 8 de Janeiro de 2009, no Celest (Centro Espírita Luz na Estrada) – Fundoamor – Fundação Operatta de Amparo e Orientação – Estrada Velha de Nova Lima 1275, Castanheiras, Sabará.
Descia, absorto, as escadas da escola, sem conseguir me aliviar do abalo que me causara aquela conversa com Rubens, meu amigo. -”Não era possível”- vagueava comigo - “as pessoas não mudam; passam os tempos, vêem os exemplos e os mesmos erros, com as mesmas cores, são repetidos... até quando..., meu Deus!”. Contara-me o bom Romanelli, que vinha de uma visita ao Alto, onde fora se reportar ao nosso meigo Chico Xavier, sobre o andamento de alguns trabalhos encetados na esfera próxima ao planeta, relacionados com educação pré-encarnatória. E o ilustrado professor mineiro, Espírito brilhante, com fulgor conquistado em renhidas encarnações, esmerilhado no esforço e agruras de passagens na Terra, estava nebuloso, abafado, visivelmente tomado por melancólica emoção.
– ”Meu irmão e amigo” – dizia-me ele –, “o Chico está triste. Muito triste. Nunca o vira assim, tão lancinado pela angústia, mesmo quando enfrentamos o negro episódio de 58, em Pedro Leopoldo! Acho que nem mesmo quando o José, seu irmão, voltara ao reino dos Espíritos, vi tanta tristeza naquele semblante... Terrível...”
–”É, professor” – tentei amenizar –, “as notícias da crosta não são animadoras. Maldade, intolerância, guerras, miséria, incompreensão... deve ser por causa disso. O Chico sempre foi muito sensível” – aduzi.
– “Não é isso, meu irmão. Com a luz que possui e os conhecimentos que sempre transmitiu, ele sabe muito bem que no processo de reestruturação dos que encarnam na Terra, com algumas exceções – dentre as quais ele se destaca –, o atraso moral, as deficiências, os aleijões espirituais sobressaem, e não é de causar surpresa a quem conhece os caminhos da evolução, esses quadros que mostram o alcance da estupidez, do mal.
Percebi o professor Rubens contrito, circunspecto, como aquele que, tateante, procura caminho, saída, solução. E prosseguiu:
– “O Chico está sofrendo por ingratidão, dor profunda, segundo ele, causada por atitudes de gente nossa, de gente espírita. Isso o deixa inconsolável, amigo, pois são exatamente aqueles com quem compartilhou a senda por mais de 14 longos lustros.... 75 anos... São estes a causa agora dessa profunda amargura...”
– “Mas caro Rubens” – objetei –, “nosso Chico experimentou isso por centenas de vezes. Nós somos testemunhas vivenciais de muitos desses flagrantes descaminhos, traições, decepções e malgrados de toda ordem. Ele sofreu isso, sempre com serenidade, no entendimento fraterno da ignorância de quem praticava o erro...”
- “Meu caro irmão” – interrompeu Romanelli –, “desta vez é pior...muito pior...”
– “Pior?” – exclamei, questionando, surpreso com a superlativa entonação de meu experimentado e notável interlocutor.
– “Sim..., trouxeram-lhe notícias da programação para a monumental celebração do centenário dele...”
– “Mas... isso, professor, sob a ótica comum, é mais que justo. Diria até necessário, é um preito de reconhecimento... É o mínimo...”
– “Claro... claro..., mas não da forma como estão querendo fazer... e é exatamente a forma, a maneira, o que está produzindo sofrimento em nosso “Anjo Amor”. Imagine que estão elaborando gigantescas festividades. E há brigas, disputas, questões comerciais e de marketing, grandes somas de dinheiro envolvidas. Briga de foice. Um grupo quer erigir um hiper complexo em Pedro Leopoldo, com grandes pavilhões, construção de museus, departamentos, fontes luminosas, cristalinas passarelas de acrílico com a mais alta tecnologia em luzes, laser e néon... e (suspirando...) tudo isso com dinheiro da venda de livros, doações e dinheiro público, do governo. E cobrando ingresso, claro!...”
– “É... parece que estou entendendo..., mas é em 2010, não é?” – dissimulei.
– “Sim..., mas grandiosos e potentes esforços já estão sendo envidados para o que o Chico chamou de “O Circo do Chico”. Só que, neste aí, diz ele se sentir um palhaço, sem graça...”
– “Chiii... Aliás, no dicionário “xavier”, significa sem graça...” – tentei aliviar a tensão, sem muito êxito.
E Rubens Romanelli retomou: – “Saiba, meu irmão, que programam também para Uberaba outro estardalhaço de igual ou maior envergadura. Além dos monumentos, dos bustos, dos museus, das praças e avenidas, haverá shows, congressos, festivais, lançamentos..., festa, muita festa...”
– “De livros?”
– “Sim, também... Tem editora que está preparando obras especiais, com capa e letras douradas..., melhor que o outro “Parnaso” exótico, que fizeram... caríssimo..., preço exorbitante, inacessível à maioria... Mera especulação comercial. Estão também projetando o leilão de páginas psicografadas... Vão sobrar "chicos e fuxicos...”
– “É..., estou entendendo, professor. Acho que essa dor que ele sente é semelhante à do Dr. Bezerra de Menezes quando inauguraram a luxuosa sede em Brasília... com vidros fumês, e alabastros de fino material. Dinheiro de livro, dinheiro da caridade... Na época, ouvi-o reclamando com o Bittencourt, que estavam fazendo dele a “Bezerra de Ouro”, num chiste.”
– “Pois é, meu irmão. Também Brasília deverá participar, com congressos mundiais, de gente de todo o planeta, mais festas, museus, banquetes, grandes caravanas, buffets e griffes, patrocínios mil... Lançamentos de obras sobre a vida, biografias, e tome mensagens louvaminheiras, compreende?”
– “Compreendo, professor – assenti –, mais ou menos posso entender a dor do Chico. Ele, sempre avesso a estas manifestações, sempre longe dessa idolatria, e mais, sempre próximo da gente humilde, sofredora, sempre consolando...”
– “Isso, irmão – concordou, continuando, mais exaltado – de gente simples, humilde, sofredora. Essa gente pobre que hoje praticamente nem pode mais entrar na maioria dos centros, cheios de guardas e sistemas de segurança, alguns luxuosos, que trazem a caridade na fachada, só. Outro dia estivemos fazendo um levantamento e descobrimos que nas favelas, nos aglomerados, nos lugares bem pobres, quase não existem mais os centros espíritas!” E depois de longo hausto, prosseguiu: – “Me lembro com saudades dos bons tempos, quando ia com o Virgílio, Peralva, e outros, para estruturar o “Divino Amigo”, na Vila dos Marmiteiros, ou do Santos, lá no Morro do Querozene, com a “Casa da Betinha”, do Pedro Ziviani e do Badi, lá no Bom Jesus. Hoje mudou tudo, irmão... Não é mais assim...”
– “Concordo plenamente, professor. Tenho participado de reuniões e ouvido reclamações dos obreiros que agem na Terra, que sistematicamente se referem à elitização da prática da Doutrina. A começar pelo preço dos livros. Absurdo! Feiras que dão desconto de 40 por cento! Ou estavam lucrando demais antes ou estão empurrando os encalhados... Pífio mercadejar!”
– “Sim..., muitos se escondem atrás da necessidade da divulgação da Doutrina para negócios no mínimo estranhos, pior, sem escrúpulos. Das quase quinhentas obras do Chico, todas foram doadas, sem quaisquer ônus, para que as editoras e fundações pudessem disseminar a palavra dos mensageiros. Mas, infelizmente, alguns fizeram um balcão voraz onde a ganância, a cupidez, crescentemente se acentuam, dominam...”
– “Mas, voltando ao Chico, professor, o que fazer pra ajudá-lo a sair desta?”
– “Olha, meu caro, não está fácil. A turma é indócil e não vai largar o filão altamente lucrativo, que hoje financia construções faraônicas, banca viagens e caravanas de "doutrinação" e visitas ao exterior, com humildade nas palestras e ostentação nas estadias penta-estelares. Em Belo Horizonte, próximo à favela que o bom João Nunes Maia ajudava, estão construindo uma enorme e moderna edificação da “Casa de Chico”. Milhões e milhões, vindos da venda exorbitante das obras doadas. Um palácio arquitetônico. Um deboche à Doutrina do Consolador! E, claro, literalmente de costas para o povo que sofre...”
– “É..., professor..., é uma situação realmente assustadora. É uma demonstração de indiferença diante de uma realidade terrena cruel. Não se vêem mais investimentos em campanhas contra o aborto, a eutanásia, a pena de morte, o suicídio, e aos poucos as forças do atraso vão se apoderando. Até as reuniões estão escassas. Tudo está virando livraria.”
“Mas” – contemporizei – “este é o mundo...”
– “Sim..., caro amigo, este é o mundo. Mas a utilização do nome, do conceito e da vida do Chico para esses expedientes é que é doloroso, sobretudo para ele. Se quisessem realmente homenageá-lo, deveriam estar empenhados em minorar o sofrimento dos desvalidos, em ajudar na construção de lares com dignidade, na feitura de casinhas. Talvez até de hospitais beneficentes, ou de estímulos às campanhas, bucólicas mas importantes, como a dos enxovaizinhos, de apoio às gestantes..., aí, sim, ele se abriria em sorrisos... Ah! Se o dinheiro que vão torrar com as homenagens e estratégias de bajulação fosse aplicado nos orfanatos, numa escola profissionalizante..., no amparo às pessoas da rua...” (suspira...)
– “O senhor sabe, prof. Rubens” – adverti –, “que reagirão com veemência os que estão a preparar as bodas... e nos acusarão de demagogos etc. e tal..., com a assertiva repisada do ‘pobres... sempre os tereis...’ ”.
– “Claro, nobre irmão, claro que sabemos disso. Forças das trevas fornecem argumentações bem elaboradas..., revestidas de lantejoulas e brilhos, para consagrar seus nédios feitos. Quantos foram à fogueira, aos martírios, sob o guante de exponenciais explicações e justificativas ditas cristãs?! Mas ai desses que pensam enganar o mundo... Ai desses que traem os próprios conceitos e consciências. Ai desses que fazem a dita ‘caridade de fachada’, criando ‘obras’ para dourar pílulas! Ai desses que fazem cair essa lágrima de Chico... Muito será pedido a quem muito for dado... e a Doutrina de Jesus, sobretudo a Espírita, é a que mais ampliou nosso patrimônio de saber da eternidade... Daí...” – concluiu.
Não pude deixar de perceber uma nesga de sofrimento nas palavras daquele Espírito já tão elevado. Despedi-me, bem emocionado, respeitando aquele momento que poderia chamar de ira santa. – “Talvez ainda haja tempo de evitar o mal maior” – consolei-o, saindo.
Enquanto no horizonte a treva vencia a luz, anunciando o império da noite, matutei, tentando vislumbrar, para mim mesmo, explicações e caminhos, na esperada aurora. Acudiu-me a lembrança da última vez que estive com o luminoso Chico, quando ele, feliz, comunicava estar aprendendo o idioma iorubano. Dizia o Apóstolo que se preparava para a tarefa de estimular a evolução da mediunidade, entre o pessoal das crenças afro-descendentes, na língua deles. – ”Eles têm a pureza no coração” – dissera. Acho que agora entendo melhor o "porquê".