segunda-feira, 6 de julho de 2009

O MENINO SEM CORAÇÃO


     
         A dor, conquanto sua missão regeneradora, permitindo a cada um o seu próprio burilamento e evolução, ainda nos assusta.   

        Enganam-se aqueles que pensam que nós, desencarnados, estamos isentos da indignação e do horror, quando presenciamos ou participamos de lastimáveis situações.

         Variando de ser para ser, o sofrimento do próximo, a maldade, o atraso, nos afetam tanto ou mais do que quando estávamos na carne.

        Aqui, no meu singelo posto de resgate e restauração, exercendo funções auxiliares de apoio e encaminhamento, me deparo muitas vezes com quadros que muito me emocionam e sensibilizam. Nossa compreensão, limitada e empobrecida devido à pequena estatura espiritual, se vê em muitas ocasiões, estremecida por quadros que só conceberíamos em nossa imaginação, quando invadidos pelo pavor.

        Naquela tarde, como era habitual, as caravanas dos que chegavam da crosta traziam centenas de seres, desencarnados em diversas partes do planeta. Foi quando ouvi a voz de Irmã Débora, devotada obreira da região a que pertenço, chamando-me, insistentemente. Saindo de meu ambiente, agora mais tranquilo do que há pouco, pude ver a nobre religiosa, em seu hábito cinza, com aqueles olhos negros em destaque, acompanhada de um menino, um rapagote, franzino, esquelético mesmo, que mantinha a cabeça baixa, em humildade cativante.

       “Padre” - disse ela- “este é Thimoty”, - e estendendo-me a mão completou - “É para que o senhor o encaminhe, por favor.”.

        Observando mais de perto aquele espírito tristonho, pude ver em seus traços o sofrimento espelhado em cada ponto. Os pés esparramados, ainda grosseiros, as pernas muito finas, com os joelhos salientes. No ventre algumas marcas, como as de um chicote, e o tórax, prensado, como que espremido pela angústia. O pescoço delgado sustentava uma cabeça pequena, ovalada. Mas o detalhe mais chocante em sua figura era um enorme buraco aberto no peito. Ali, com as vértebras perispirituais ainda à mostra, notava-se que dele haviam tirado o coração.

         Atribulada como sempre, Irmã Débora já se despedia, enquanto eu, segurando a mão do jovem, com energia e ternura, o conduzi para o pequeno salão, ambiente onde procedíamos a triagem.

         Ele não parecia estranhar a situação, o que não é comum nestas paragens, onde muitos chegam sem a mínima noção de que não mais possuem o provisório invólucro carnal. Sua indiferença, submissão e placidez, de certo modo me deixaram confuso.

        - Como você está, meu filho... Está bem?
        Olhando-me de frente pela primeira vez, com voz tímida, quase sumida, indagou:- O senhor fala o inglês, da Libéria?

         Achei interessante a pergunta pela ingenuidade, e expliquei:- Olha, aqui nós falamos uma língua que todos entendem... a do pensamento...e aí está incluída a da Libéria... Você veio de lá?

       - Sim, sou de lá- respondeu Thimoty - já se acomodando num dos bancos em torno da mesa.
       - Pois bem, - continuei- agora você sabe que estamos em uma outra dimensão, que você não possui mais o antigo corpo de carne, e que seu espírito seguirá para um posto de reestruturação, de apoio. Nós vamos ter que recompor as coisas, como o seu coração, por exemplo...
        - Mas eu ainda não posso ter meu coração... Ainda não... - suspirou resignadamente.

      A afirmação resoluta me surpreendeu. Geralmente os que aqui chegam de alguma forma mutilados, se alegram quando da possibilidade de se lhes restaurar o que perderam.

      - Mas, por que você não pode ter o coração de volta, filho?
      - Ainda não ganhamos a guerra, senhor... Quando fizeram o ritual prometeram dar-me o coração de volta, quando ganharmos a guerra.

      Contou-me o jovem, que em sua tribo, na Costa Africana, numa aldeia próxima à Monróvia, capital liberiana, é comum esse tipo de sacrifício, arrancando-se com facas o coração de crianças, e depois, repartido em pedaços, serem comidos estes por guerreiros e chefes das facções insurretas. 

      Soube estar na erraticidade desde fins de 1993. Recusara-se algumas vezes a seguir com os batedores do resgate, por acreditar que assistiria à vitória. Narrou os horrores porque passam seus parentes, ainda hoje, naquela região africana, feita nação a partir da reunião de escravos fugidos ou banidos das Américas, desde os meados do século XIX.            
      Custei a acreditar que aquilo estava realmente acontecendo, nos dias de hoje. Falou da fome, da extrema pobreza, miséria absoluta, de guerras fratricidas, de extrema crueldade de todos os lados. Contou da tristeza por não ver futuro para seus parentes. E acentuou a impiedosa indiferença, do silêncio e omissão, de toda uma sociedade, em torno e dentro do país.

       Isso está acontecendo agora, no momento em que leem essa carta, sem que grande parte do mundo saiba, e os que sabem, muito pouco fazem para impedir que ainda existam, a perambular no espaço, espíritos como o de Thimoty, o menino sem coração.              
       Que isso caia na consciência das pessoas de bem. como alerta sobre o quanto ainda é preciso ser feito, o quanto ainda precisamos evoluir para que se possa merecer o emblema de Raça Humana.


Padre Aldo- espírito-

(Mensagem recebida em 28 de Junho de 2009 no Celest- Centro Espírita Luz na Estrada- Sabará MG, pelo médium Arael Magnus. fundoamor@gmail.com
Acompanhe mais mensagens de Arael Magnus no blog http://intermedium.spaceblog.com.br/

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